Incertezas politicas e econômicas fazem empresas trocar primeira classe em voos por ônibus para manter seus executivos em eventos corporativos.
Se a alta do dólar reduziu os passeios de turistas brasileiros no exterior, ela afetou ainda mais as viagens feitas por empresas, entidades e representantes do governo. Dados do Banco Central (BC) mostram que, de janeiro a agosto, os gastos de brasileiros com viagens corporativas no exterior caíram 32,24%, para 2,68 bilhões de dólares. O encolhimento é até maior que o dos gastos gerais dos brasileiros em solo estrangeiro, que diminuíram 25,1% no mesmo período, para 12,87 bilhões de dólares.
A queda é percebida nas viagens ao exterior, mas também nas feitas dentro do país. Para contrabalançar os efeitos da crise - mas, ao mesmo tempo, não perder oportunidades de negócios -, muitas empresas agora põem seus executivos menos graduados para percorrer trechos de menor distância de ônibus. Avião, só para a chefia mais graúda.
"As empresas têm reduzido o número de executivos que participam de eventos corporativos e avaliam com cuidado a real necessidade de fazer esse investimento", diz Viviânne Martins, presidente do conselho executivo de viagens e eventos corporativos da Fecomercio. Ela conta que, segundo levantamento feita durante o evento Abroad Corporate, nas principais cidades que recebem eventos de negócios no país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, houve uma redução de até 20% no volume de viagens e também no número de eventos este ano. "O setor ainda não voltou às bases anteriores do 'apagão' provocado pela Copa do Mundo, em 2014. As empresas, que já diminuíram repasses a viagens corporativas durante o período, ainda não voltaram a investir."
Com menos viagens, toda a cadeia movimentada por essa indústria é afetada. "A malha das companhias aéreas ajudou clientes a fazer 'bate e volta', impactando a hotelaria. Outro fator que pesou foi que, em vez de usar a rede de hotéis consideradas no estudo, as empresas têm recorrido a hotéis mais baratos", afirma o presidente do Conselho da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp), Edmar Bull.
Levantamento da Abracorp mostra que o faturamento das 30 maiores agências do segmento com a venda de pacotes nacionais caiu 3,6% no primeiro semestre, enquanto o número de diárias contratadas teve baixa de 2,7%. No mercado de trabalho, o efeito imediato é o enxugamento de vagas. Apenas em São Paulo, o setor de viagens e eventos, tanto para lazer como para negócios, fechou 4.419 vagas formais no acumulado de janeiro a agosto, queda de 1,8% em relação ao ano passado, segundo levantamento da Fecomercio. "A primeira coisa que o cidadão corta quando não está confiante são gastos não essenciais, como viagens", avalia o assessor econômico da Fecomercio, Jaime Vasconcellos.
Feiras mais enxutas - No caso das feiras, o que se verifica é a diminuição do número de estandes em feiras e exposições. "Muitos expositores reduziram o custo físico, de operação, para não deixar de participar de eventos", conta Armando Campos Mello, presidente da União Brasileira dos Promotores de Feiras (Ubrafe). Apesar das dificuldades, ele relata que o setor de feiras, congressos e eventos corporativos - sobretudo voltados ao agronegócio - continua em plena atividade, já que é a chance que agentes do mercado têm de encontrar oportunidades em meio à crise.
Ao site de VEJA, o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, reconhece que a instabilidade econômica prejudica o segmento. Ele sustenta, no entanto, que os problemas do segmento são menos intensos que os vividos, por exemplo, pela indústria ou a agricultura. "É natural que, com a inflação e o desemprego, menos pessoas queiram viajar", diz. "Com o dólar mais caro, quem faz negócios no exterior, pode esperar um pouco. Por outro lado, o mesmo fator pode atrair quem vem de fora, fazendo com o que o turismo seja uma fonte de recursos para o Brasil durante a crise."
Segundo dados do Ministério, os estrangeiros que mais vêm ao Brasil a negócios são mexicanos (55% deles vêm com esse propósito), Estados Unidos (34%), Espanha (34%) e Itália (33%). Ainda de acordo com a pasta, o turista de negócios gasta mais que o turista que chega ao país apenas por lazer. Enquanto o visitante que está a passeio gasta, em média, 68 dólares por dia, o turista de negócios desembolsa 102 dólares diários.
O setor de viagens corporativas não vive apenas dos investimentos feitos por empresas. Ana Cláudia Bittencourt, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc), estima que o valor dos grandes contratos com autarquias, órgãos públicos e outras entidades, como o Sesc, Senai e Sebrae, já caiu 50% no acumulado do ano. "A crise vai se perpetuar por até dois anos. Por causa disso, estamos reavaliando custos e estratégias para conseguir superar este período", afirmou. Para contrabalançar a queda das viagens dos brasileiros ao exterior, a entidade tem participado de eventos internacionais para atrair investidores de fora.
O encolhimento do setor de viagens de negócios é reflexo do cenário que tem afetado toda a economia: incertezas em relação ao comportamento dos salários e à manutenção do emprego, alta dos juros e inflação. "Acreditamos na retomada das atividades somente em um ambiente de maior confiança nas políticas econômicas e no acerto das contas públicas", destaca, em artigo, o economista da USP, Hildemar Silva Brasil. Segundo Viviânne Martins, da Associação Brasileira de Gestores de Viagens Corporativas, isso não deve ocorrer antes de março do ano que vem. "Até lá, o sentimento predominante é o da cautela."